DEVANEIOS DE UMA MANHÃ DE VERÃO

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“Depois do direito de criar, o direito de criticar é a maior dádiva que a liberdade de pensamento e de expressão podem oferecer”. Acordei escutando essas belas palavras de Vladimir Nabokov.

É assim mesmo. Às vezes, ainda naquela “rêverie”, ou melhor, naquele estado de semi-sonho que o filósofo Gaston Bachelard, tão sabiamente, usou em suas “Poéticas”, eu ouço vozes.

Sim. Eu ouço vozes. Porém não se apressem em me recomendar uma passagem pelo consultório de um psicanalista ou uma internação em uma casa de tratamento para perturbados mentais. Essas vozes, que afirmo que ouço, são imateriais. Fazem parte de meus pensamentos. Pensamentos ocorrem a qualquer pessoa. Portanto, tudo perfeitamente normal.

Se é que a normalidade seja uma condição “si ne qua non”, para a vida da gente. Coisa de que duvido. Cada vez mais, aprendo que os normais são uns chatos. Um pouquinho de loucura não faz mal a ninguém, neste mundo maluco.

Bem. Voltando ao momento em que despertei. As palavras de Nabokov se explicam pela mania que tenho de correr para a literatura, quando acordo meio na transversal. A verdade é que Chico Buarque (o Chico dos velhos tempos) tem razão: “Tem dias em que a gente se sente como quem partiu ou morreu”. Quero crer que era um desses dias. Pois, imediatamente, me vi invadida por um banzo sem fim.

Acontece que (creiam ou não os céticos que neste instante me leem - se é que os céticos me leem) tenho essa fraqueza. Todo dia, quando acordo e vejo a paisagem desta cidade estrangeira através da janela, eu sinto saudades. Infinitas saudades de nosso Espírito Santo, de sua gente, de suas coisas, de seu jeitinho de estar meio sonso e muito acomodado entre as montanhas e o mar. Afinal, não é fácil se sentir uma estranha em uma terra estranha.

O que me deixa um tanto encabulada é saber que alguns vão atribuir esse meu desabafo à retórica vazia de uma criatura que não tinha sobre o que escrever. Outros vão imaginar que se trata de uma imaturidade um tanto descabida, para uma senhora que já andou, virou e revirou por aí, rodando o planeta.

Mas, antes que os Torquemadas de plantão me destinem à fogueira onde queimam as idiotices do romantismo fácil e do “por que me ufano” brejeiro, eu peço que reconsiderem.
O caso é que a distância em mim bate feio. Vira uma ferida na alma. Um sentimento vago de estar me rasgando em espinhos. É como no filme “Gremlins”, em que os bichinhos são muito bonitinhos e macios até que alguém os encharque com água e eles viram peludos monstrinhos.

O que posso fazer? Tem gente que sofre de tonteiras, eu sofro de lonjuras. Sem falar que sou uma apaixonada. Os apaixonados são uns masoquistas. Vivem se metendo em esdrúxulas situações.

A paixão já me levou a fazer coisas de que até Deus duvida. Aí incluída essa minha condição de exilada.

Mea culpa. Mea culpa. Mea culpa. Sei que muitos que me conhecem me entendem. Mais, não comentarei.

Nessas horas difíceis, o que me salva é a literatura. A literatura é minha corda pendurada por cima do abismo, minha tábua de salvação, meu sétimo selo nos momentos em que a saudade me faz entontecer como alguém que sabe que vai se deparar com os quatro cavaleiros do Apocalipse.

E, por favor, não estranhem o tom melancólico desta crônica de hoje. Se isso serve de desculpa, às vezes, acordo com a voz de Vinícius de Moraes. Saibam vocês que esta cronista destrambelhada que sou também ouve o poetinha. E acredita que “alegria é a melhor coisa que existe, a alegria é assim como a luz do coração”.


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