COMO UM HAIKAI

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Os eucaliptos da beira da estrada: o tempo comeu. Parece um haikai? Pois foi essa a intenção, embora turvada pela minha inabilidade. Poeta mesmo é o Caê Guimarães. Eu, de mim, sou um fracasso no ramo. Afinal, o que pode fazer uma criatura que, mal e mal, vive se aventurando a criar ficção?

Corro o risco desse inusitado começo. Mas explico: Bashô, o mais conhecido dos nomes da poesia japonesa de “renga”, recomendava que, quando se compunha um poema para alguém a quem se queria homenagear, fosse feita uma estrofe “apagada”. Isso faria com que as qualidades do homenageado brilhassem e não as palavras do homenageador. Mais ou menos assim. Se não estou sendo fiel na citação, desculpem-me os entendidos em Bashô.

O que quero dizer com essa lengalenga é que, nestas mal-traçadas linhas, meu intuito é homenagear. Não uma só pessoa. Porém um coletivo de gente e o espaço que essa gente frequenta e habita. Esse espaço, justamente, é o lugar a que aqueles eucaliptos do início estão se referindo. E a estrada por eles margeada, era aquela que levava ao campus da Ufes, recém-instalado em Goiabeiras, no terreno de um antigo campo de golfe, no final dos anos 60.

O caso é que Ufes fez sessenta e um anos, em maio. E esse mês de aniversário da Ufes, para mim, foi um mês de magia. Porque, passei uma semana lá. E por todos os cantos lá andei e com tantas criaturas falei e nada tanto me deleitou quanto rever as árvores, as pedras, as aves, as construções, a lagoa, as flores do capim e pisar as mesmas passarelas, que pisei há tantos anos atrás.

Todo esse deleite foi graças ao convite que me fez o valente Rogerinho Borges, para que eu fosse falar sobre Literatura e Cinema, por conta da retomada que ele vem fazendo, pondo cores e sabores nas múltiplas culturas que tecem a Cultura, de que ele está Secretário.

Além disso, tenho um rol de nomes a que agradecer, pela cordialidade do reencontro. Por favor, considerem-se citados nesse agradecimento todos que contribuíram e partilharam comigo dessa minha breve estada na Universidade. Sem esquecer os mimos e atenções e carinho que recebi de alunos, ex-alunos, professores, dirigentes e funcionários.

Espero que vocês relevem essa minha euforia. É que a alegria é a prova dos nove. E meu coração não tem tranca.

Tudo o que é necessário para que me entendam melhor está entre duas histórias: a de aluna, na primeira turma de Letras (Português/Francês) que chegou ao campus de Goiabeiras, e a de professora, quando me aposentei nesse mesmo Departamento. Essas duas histórias correm como rios através de todas as outras histórias que atravessam minha vida.

Uma tem a ver com aquelas certezas e incertezas de todo estudante: o pensamento é um pássaro livre; as palavras ficam sempre faltando na boca cheia de sonhos. A outra se entalha nas aventuras usuais da profissão: aulas dadas; pesquisas; títulos adquiridos; idas e vindas pelo mundo.

Tudo temperado com as lembranças dos dias de chuvinha miúda e corridas na lama, que ainda rodeava os primeiros CEMUNIS (para onde foi o curso de Letras antes de ser transferido para os ICs: abreviatura desse nome tão belo de “Ilhas Cercadas”); com as leituras, os recitais, as bravuras, os encantamentos, as tristezas, os enganos, os desenganos, as lágrimas, o riso, a esperança.

São reverberações fugidias, retalhadas pelo óxido da memória e do tempo. Ossos de borboleta, alfenins de afeto, fitilhos de delicadeza que se foram amarrando entre mim e a Ufes, a cada descoberta, a cada paixão, a cada experiência vivida.
 
Caderno 2. Jornal A Gazeta.

 


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