ALGUÉM LÁ EM CIMA

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Diante do festival de enganos, embromações e mentiras que assola o país, ninguém - nem mesmo aqueles mais recalcitrantes partidários de fulano ou beltrano, nem mesmo os militantes políticos mais ensandecidos, nem mesmo os possuídos por paixões cegas, surdas (embora não mudas) - ninguém deixa de sentir aquelas incômodas espetadelas de sã consciência, que doem no entendimento e no bolso.

Você liga a tevê, lê um jornal, escuta as conversas no bar e na esquina e se dá conta de que está vivendo como personagem de um extenuante filme de horror.

Tem gente que tenta tapar o sol com a peneira. Eu tenho uma amiga que acredita piamente que nem tudo está perdido, que as promessas de campanha nas eleições eram à vera e que algo de bom ainda há de cair do céu borrascoso assim como o dadivoso maná no deserto. Mesmo nas “atuais contingências” (para usar o palavreado que está muito em moda em um certo lugar plano e central do Brasil).

Entendo essa boa alma! Mas, por mais confortável que seja, não se pode viver na terra do faz-de-conta para sempre, como um Peter Pan ou como uma Sininho, quando tudo em torno está desmoronando.

Alguns dirão que sou uma pobre escriba que não sabe de nada. E que o melhor que eu faria era me manter no território estrito da Mãe Literatura. Ou que comentasse coisas mais promissoras para a humanidade. Como, por exemplo, a chegada de três astronautas à ISS, a Estação Espacial Internacional, à bordo de uma nave Soyuz.

Quem não sabe que a ISS é um laboratório espacial, resultado de muito dinheiro empregado por cinco agências espaciais, de países diversos? O Brasil estava entre os participantes. No entanto, saiu do projeto, sem ter contribuído nem mesmo com um só parafuso. Antes disso, Marcos Pontes, o nosso primeiro e único astronauta, foi até a estação. Conseguiu comprovar que feijões germinam no espaço. E disse a frase: “A Terra não é azul, e sim colorida”. Foi essa toda a contribuição do Brasil.

Enquanto isso, a ISS continua a girar aí em cima de nossas cabeças, do oeste para o leste, ao contrário do Sol e da Lua e demais corpos celestes.

Viaja a uma velocidade de 27.700 km/h e faz, em média, 16 órbitas por dia. Sua órbita é baixa, cerca de 350km. Ela brilha. É possível avistá-la da Terra a olho nu. E está a cair eternamente por causa da curva ocasionada pela força centrípeta a que está sujeita. Um dia, vai despencar, de verdade.

Confesso que fico muito emocionada com o fato. E amedrontada também. Não só pela queda da ISS e seus inevitáveis destroços. Mas também pelo que penso que sentem os astronautas a verem ao longe a Terra, a bola azul (ou colorida). E, mais além, essa dimensão que eles desconhecem, pois que a negrura do cosmos se estende a sua frente como um raptor de essências.

É mais ou menos assim que me sinto, diante dos dias em que estamos vivendo, no país.

Sim, minha senhora, senhor e senhorita, aqui estamos em uma danada de situação. Sinto muito pelos nossos mais caros sonhos. Temo comunicar-lhes que a fada verde da esperança, coitada, está quase afogada, metida até o pescoço na lama do pântano das desilusões.

O que virá depois disso? Pergunte ao pó, diria John Fante. Ou melhor, nem pergunte. Nem ao pó, nem ao vento, nem aos astronautas da ISS. Pois nem eles saberão responder.

Nem eles, nem as pitonisas, nem os apostadores em cavalos, nem os que bebem e vagueiam pelos botecos da vida. E olhem que estes últimos, via de regra, acertam nove em dez dos palpites. Isso porque os deuses favorecem os bêbados, os bebês e os loucos.
 
Queridas e queridos: aí vai minha mal-humorada crônica de hoje. Sorry. No Caderno 2. Jornal A Gazeta.


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