LITERATURA E FILISTINISMO

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Escritores escrevem. Essa frase, que pode parecer uma tautologia, é, na verdade, a síntese da literatura. Sim senhoras, senhores e senhoritas, escritores escrevem. É o que fazem. É o que sabem fazer. E nada mais lhes é tão necessário. Escrever é uma tarefa física. Requer força na ponta dos dedos, principalmente agora, que quase ninguém mais escreve a lápis ou com uma caneta. Digo quase ninguém pois que, dado aos hábitos que cercam o dia-a-dia dessas estranhas criaturas, não duvidem de que algumas delas ainda não façam uso das facilidades de um teclado. No caso, um teclado de computador, visto que os de uma máquina de escrever há muito deixaram de ser utilizados.Conheço uma escritora que diz que as responsáveis por suas ideias são as teclas do seu laptop. Não creio, não descreio, muito pelo contrário. James Thurber dizia que seus pensamentos vinham das pontas dos dedos e que só descobria o que as personagens de um conto seu iriam fazer no momento em que se sentava à frente da Remington.É verdade que, por circunstâncias diversas, alguns escritores fazem uso do ditado a uma secretária. Como Borges, em sua cegueira. Porém é verdade também que nada dá tanto prazer a um escritor que escutar aquele barulhinho saltitante e contínuo, à medida que a telinha vai sendo possuída por letras e as histórias, linha a linha, vão aparecendo.Pelo menos, é assim que eu me sinto ao escrever. E acrescento, como o E.M.Forster: “Escrever sempre me pareceu agradável. E não compreendo o que certas pessoas querem dizer quando se referem às agonias da criação”.Porém não se enganem. Essa mui agradável tarefa não é passatempo. Embora alguns pensem que não passe de um divertimento ou de um súbito surto de inspiração. Escrever (e aqui me refiro a fazer poemas e a criar ficção em romances e contos) é uma profissão de alto risco. Exige perícia, técnica e muita dedicação. Coisas que independem das protocolares lições de escolas e cursinhos. Mas que unem os escritores profissionais em torno de uma atitude honesta, com relação ao próprio trabalho, e de um esforço constante diante da arte e da vida. Por que todo esse papo sobre escritores e escritas? – vocês perguntarão. E eu explico. Ele vem nesta crônica de hoje por conta de uma frase que escutei outro dia. “A literatura já era”, dizia um moço de barbicha e antebraço tatuado com algumas caveiras a uma jovem que com ele partilhava a mesa de um bar (era um desses bares que entram e saem da moda com a mesma rapidez com que uma criança devora um bombom). “Estamos na era das imagens”, concluiu com autoridade, enquanto as caveiras em seu antebraço de moviam, de modo suspeito, em direção à jovem que o ouvia com o ar embevecido de quem escuta o próprio Messias.Imediatamente, me veio à lembrança um artigo delicioso e irônico de Vladimir Nabokov, “Os filistinos e o filistinismo” (publicado em Literaturas/2). Nele, meu adorado escritor fala sobre um tipo de gente que ele chama de “sentenciosos vulgares” e que ele classifica como “o produto acabado e universal da banalidade e da mediocridade”. Trata-se daquele sujeito que se diz “anti-artístico” e que, longe de admitir que não conhece nada de arte nem de literatura, sai por aí sentenciando banalidades. Segundo Nabokov, um filistino em tempo integral apregoa aos quatro ventos que é “um marginal”. Mas tudo que quer é ser admitido em um pequeno grupo, que ele considera de “privilegiados”, uma vez que é um hipnotizado pelo dinheiro e reconhecimento social. É triste! É só o que me cabe dizer.

Queridas e queridos, minha croniquette de hoje. Shakespeare aí na imagem acompanha minha intolerância com gente chata e pretensiosa


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