DEZEMBRO E SAUDOSISMOS.

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Dezembro é um mês de se pensar na Barra. E vocês podem falar: “ lá evém saudosismo ”. Vocês podem falar, que eu não ligo. Pois até simpatizo com essa palavrinha. Que é descendente real e herdeira legítima da palavra saudade, aquela que é a mãe de todas as palavras na última flor do Lácio, segundo Camões.

Para terem uma ideia, em pleno século XX, o saudosismo tem status de corrente literária. Foi até a primeira escola de poesia do Fernando Pessoa. Em um artigo publicado na revista “A Águia”, o então moço Pessoa afirma que os saudosistas anunciam o pensamento da “futura civilização europeia”. Descontado o exagero, perdoada a exaltação da idade, naquele momento, para o poeta, o saudosismo representava “um traço definidor da alma nacional” . E, como tal, refletia um modo legítimo de encarar a vida através da literatura. 

E eu digo mais. Saudosismo não é caduquice, nem besteira, nem ofensa. É coisa muito fina. É coisa de quem sabe lembrar. É coisa de quem pode se dar ao luxo de remexer a memória. De preferência com um pauzinho de laranjeira, de brisa e de cristal. 

É verdade que o ato de recordar virou uma espécie de oitavo pecado, nesses tempos de hoje, em que tudo corre com a velocidade de um táquion. Pelo menos para alguns escritores. Os quais, com aquele orgulho maravilhoso, tolo e invejável, próprio da juventude, pensam que estão sempre a inventar a roda.
Escreveu não leu, o escriba que se debruça sobre o recordar é acusado de viver no passado.

Porém o pessoal que só quer saber de falar do presente, que tente agarrar um táquion.

Para esclarecer, o táquion é a coisa mais rápida do universo, mais rápida do mundo. Mais rápida que a velocidade da luz, mais rápida que o guepardo, o raio ou o pensamento.

E assim também é o tempo presente. Quando vem, já se foi. É mais ou menos como o mês de dezembro, que começa no fim. Porque dezembro é corrido demais. E um mês que mal começou, já acabou. E toca designar tantas expectativas que só o ultimo mês do ano pode pendurar nas coitadas de nossas esperanças.

Bem, voltando ao que nos interessa, dezembro é um mês de se pensar na Barra porque é nele que a Barra vira a Conceição. A Conceição da Barra. Por conta do dia oito.

E não tem filha ou filho da Barra que não reconheça: pode chover, pode fazer sol, que quem nasceu naquele pedaço abençoado de chão, feito de conchas, balsedos, salsa da praia, areia, planuras e lonjuras, nunca vai se esquecer do terral que sopra de tarde, vindo das bandas do Cricaré; do encrespamento das ondas quando dá vento sul ou nordeste; dos pés de abricó que servem de abrigo às formigas; dos coqueiros, das estrelas, da lua, do céu e do dia oito de dezembro.

É verdade que o seis de outubro também é de festejar. É dia de louvar a cidade. Em especial, é o dia em que eu comemoro o nascimento de minha avó Colata, que amava tanto a Barra que pediu para ali ser enterrada. E assim foi. Que ninguém na família era doido de descumprir a vontade daquela mulher de mais de cem anos, que queria descansar no solo muito amado, onde ela nasceu. 

No entanto o oito de dezembro é mais desfeito em borboletas, mais perfumado a jasmins.

Não que a Barra não tenha outras delícias para serem lembradas. Porém jasmins e borboletas são as persistências que perseguem minha memória, em dezembro. Os primeiros pela aflição do perfume; as segundas pela dor do colorido. Dois caberes nos meus saudosismos. 

Afinal, são alívios para o coração desta barrense cansada de tantas andanças e louca de amor pela sua cidade natal.

Queridas e queridos que gostam de ler o que escrevo, aí vai para vocês minha crônica de hoje. Caderno Dois. Jornal A Gazeta.


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