JÁ VAI TARDE, NOVEMBRO

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Minha desolação e tristeza. É isso que está nesta crônica de hoje. Caderno Dois. Jornal A Gazeta.

Para nós, capixabas, o mês de novembro que está a terminar foi horrível. Se o descaso e a ganância de uma mineradora causou o rompimento de uma barragem cheia de perigosos detritos, fez tanto estrago, destroçou povoados, matou pessoas e bichos, lá em Minas Gerais, essa mesma lama assassina escorreu em busca de escoamento e veio ferir de morte o rio Doce, deixando-o como uma imensa ferida sangrenta exposta debaixo do céu. Uma ferida exposta que, lenta e inexoravelmente se alastra sobre o corpo do nosso Espírito Santo, carregada no curso barrento, que mancha as águas do rio e se estende por dentro do mar.

Peço desculpas a vocês pelo reiteração insistente do tema. É que o drama de nosso Estado e de nossa gente me toca muito de perto. Tudo que atinge este que é nosso pedaço de chão, este nosso território espremido entre o mar e as serras, me atinge também. Assim, talvez, hoje, eu esteja escrevendo esta crônica tomada por uma imensa, constante e insistente necessidade emocional. 

É verdade que em todos os países do mundo (pelo menos naqueles que podem se gabar de possuir liberdade de imprensa e de informação), a substituição de notícias se dá com uma justa velocidade, à medida que fatos importantes vão se sucedendo e merecendo divulgação. Porém para nós, que estamos de coração partido, a morte do rio Doce é matéria para ficar cravada para sempre como um espinho, na memória e na carne.

E que nem o tempo, que não se detém com a dor dos humanos; nem a urgência de novas questões, que move a transitoriedade da mídias; nem o povo, nem os que governam em nome do povo; enfim, que nem ninguém se deixe apanhar pelo oblívio e pela fadiga.

Para além deste desabafo de uma escriba que outras armas não tem, a não ser suas pobres palavras, há que pensar que o país e o mundo entraram em convulsão manifesta, neste mesmo novembro que agora, já tarde, se vai. 

Há exemplos de sobra: o pavor e o medo que varrem as nações, diante das facções terroristas, sobretudo depois do ataque à cidade-símbolo da cultura ocidental, como é reconhecida Paris; a descrença, a desesperança e a indignação que tomam conta de todo o Brasil, diante da sordidez, das mentiras e da desfaçatez que continuam a jorrar das falas, dos atos e das ações de alguns que se encastelam em suas supostas prerrogativas e cargos políticos, nessa imensa e oportuna operação Lava-Jato, que está a desvelar para as mentes estarrecidas o quanto fomos e somos enganados, tristemente enganados, por aqueles que diziam (e que deveriam) ser os portadores de nossas esperanças, os realizadores de nossas mais caras e sonhadoras ilusões.

Como esquecer tantos enganos, tantas incertezas, tanta miséria, tanto sofrimento?

Este brevíssimo resumo talvez não seja do agrado de muitos que preferem meter a cabeça no chão para não ter de admitir os perigos, como fazem avestruzes. E pode, ainda, ser considerado inocente ou comprometido. Não faz mal. O direito de julgar é uma prerrogativa de todos. 

No entanto, saibam que é com muita tristeza que estou registrando essas coisas. Chega a ser constrangedor escrever sobre isso, sem passar de um limite, de um pudor que vem das desilusões mais cruéis, mais profundas e mais íntimas que neste momento ferem o coração de boa parte da humanidade e dos brasileiros.

No entanto, ainda que seja por ingenuidade, eu tenho esperanças. Como diz Eduardo Galeano: “A nostalgia é boa, mas a esperança é melhor”. Em meio a tantas tormentas, acredito que a esperança, pode ser transformada em força e em criação.



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