Quinhentos reais na mão e uma ideia na cabeça

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Os ingredientes são simples, mas a receita é complexa para alcançar um bom resultado. Parece sensacionalismo dizer que o curta-metragem brasileiro A Moça que Dançou com o Diabo, vencedor do prêmio especial do júri na 69ª edição do Festival de Cannes, custou apenas R$ 500 para ser realizado. Mas não é. O curta de João Paulo Miranda, produzido pelo Kino-Olho foi custeado basicamente pelo dinheiro de uma rifa. Além disso, João Paulo contou com o ajuda de profissionais e empresas que apoiaram o projeto e se envolveram. No Brasil, um filme considerado de Baixo Orçamento é realizado com no máximo R$ 1 milhão; o investimento deste curta foi de apenas 0,05% desse valor.

O curta é baseado em uma lenda urbana regional sobre uma adolescente impedida de sair de casa pela família conservadora e religiosa. Certa noite ela foge para uma festa e encontra o Diabo disfarçado de homem. A obra foi indicada a Palma de Ouro em Cannes e fez sucesso de público e crítica, sendo aclamado por quebrar paradigmas sociais.

Esta já é a terceira vez do diretor em Cannes. A primeira, em 2014, foi com o curta Short Corner, na Mostra não-competitiva do Festival. No ano passado, o curta Command Action foi exibido na Semana da Crítica do Festival de Cannes, mostra paralela dedicada à exibição de primeiros e segundos filmes de cineastas do mundo todo.  ”É raro um realizador voltar tantas vezes consecutivas ao Festival. Eles mesmos declararam isso e ficaram muito empolgados, pois o meu último curta superou as expectativas e agora querem ver o meu próximo projeto”, conta o diretor.

Mesmo com esse histórico, João Paulo não conseguiu ser selecionado para editais nacionais. Segundo ele, o projeto deste curta já existia há alguns anos e estava parado depois de tentativas frustradas de apoio com editais. “Devido a última experiência que tivemos por lei de incentivo não conseguimos captar os mínimos 20% para o curta anterior, o Command Action. Diante destas experiências e sem apoio de editais, resolvemos em cima da hora que iríamos filmar de qualquer forma”, conta. Importante destacar que “de qualquer forma” não significa realizar sem rigor técnico e artístico, mas sim independente de quaisquer circunstâncias. “Às vezes precisamos mostrar nosso valor para ser reconhecidos e provar que merecemos atenção e apoio”, desabafa.  Dito e feito.

Depois do evento, João Paulo já foi procurado por grandes grandes produtoras, tanto no Brasil como na França. “Agora estou me reunindo com elas e espero encontrar parcerias que sejam cúmplices ao meu interesse artístico e que me ajudem a ir adiante”, explica. Além disso, o diretor já está pensando também no seu próximo trabalho, o primeiro longa-metragem da carreira, que pretende rodar em 2017. Segundo ele, nesse novo filme ele vai mergulhar no interior do Brasil. “Será uma historia de migração, tendo filmagens em Goiás e em Santa Catarina”, revela.

A realização do trabalho foi “na raça” e serve de exemplo de perseverança e vontade para muitos realizadores iniciantes. João Paulo ao lado da equipe do Kino-Olho provou que é possível, sim, realizar um filme, com baixíssimo orçamento. Porém João faz questão de alertar que não podemos aceitar que esse seja o padrão: “Sempre fiz cinema por paixão e sempre deixei a questão financeira em segundo lugar, portanto foi um risco tomado e tive uma grande equipe que abraçou a ideia. Vejo que esta experiência foi necessária para provar que conseguimos, mas não deve ser a regra, já que todos devem ser vistos como profissionais e remunerados por isso devidamente”.


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