CADÊ AS PLACAS?

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Faço questão de trazer para vocês essa minha pequena crônica, publicada há um tempo, em A Gazeta de Vitória, ES. Depois dela, as placas foram repostas e, agora, de novo arrancadas! A Rua Dom Fernando está um salve-se quem puder. Então, talvez eu devesse chamar esse remake de "Cadê a Prefeitura"?
 
CADÊ AS PLACAS?
 
Foi exatamente ao voltar a Vitória que o espanto me acometeu. Ia eu muito lampeira, subindo por aquela Rua Dom Fernando, no Centro. A Dom Fernando, sabem vocês, é estreita e toda encurvada como uma anciã bem velhinha com sua corcunda ancestral.
 
Na verdade essa rua faz mesmo uma curva fechada em aclive. Lembrança, talvez, dos dias em que era uma estradinha de burros beirando o rochedo em que se plantou o Convento de São Francisco. 
 
Entendo que a rua assim se formou e foi endurecendo, tomando esse jeito torto, tendo de um lado muros altos de pedras que sustentam as casas trepadas pela colina e, do outro, a fachada de casas que se despejam pela ribanceira. Só não entendo por que cargas d’água uma rueta assim apertada é a única via que dá mão para quem sobe de carro do Parque Moscoso para os lados da Catedral. Mistérios dessa cidade que brotou em uma ilha, da pedra do maciço central. Mistérios também da engenharia capixaba de trânsito.
 
Certo é que pela Dom Fernando passam dezenas de motocicletas, automóveis, caminhonetes, vans escolares e até mesmo ônibus de formato especial, da linha que vai até os morros, até onde os ônibus grandes não ousam alcançar.
 
Voltemos ao espanto que me acometeu. Ia eu muito lampeira, ao volante de meu modesto carrinho. Tinha chegado e estava feliz de chegar. Passei pela Avenida República, entrei pela Dom Fernando, no rumo do alto, e quase bati em um imponente veículo, parado na esquina. Fiquei estarrecida. Aquela rua torta e estreita estava crivada de carros estacionados à esquerda, de tal modo que fui obrigada a fazer uma ginástica para me esgueirar pelo asfalto acima. 
 
Lembro que há um ano a rua estava assim. Medonhamente perigosa. Depois, um belo dia, ela apareceu toda limpa e faceira. Cheia de placas de estacionamento proibido. 
 
Antes daquela bendita limpeza, que retirou os carros estacionados, os pedestres e os moradores se descabelavam com seu infortúnio, porque estavam obrigados a se apertarem sobre as calçadas, que não são lá grande coisa. Ou a correrem riscos para caminhar por entre a fileira de besouros gigantes de aço, uns colados aos outros, para-choque dianteiro com para-choque traseiro. Quem morava do lado elevado nem sempre podia entrar em suas garagens cavadas no ventre das rochas. Quem morava do lado rebaixado convivia com o medo dos caminhões que passavam e que ao se desviarem daquela fieira implacável quase lhes entravam pela sala de estar. Teve mesmo uma vez que uma caçamba de lixo quebrou parte de uma marquise, bambeou no meio fio e por pouco não estilhaçou a porta de vidro de um pequeno salão de beleza. 
 
Na última vez em que vi a Rua Dom Fernando livre e desimpedida, eu festejei. Finalmente a prefeitura ou sei lá quem seja o responsável pela segurança das ruas, tinha tomado tento. Quase acariciei as placas que me garantiam dirigir com mais segurança, manobrar pelas curvas, passar pela frente da escola que ali está e pensar que as crianças não corriam perigo. Havia espaço de circulação bastante para os carros que rolavam sobre o asfalto e para os passantes. E, agora, tudo tinha voltado à estultice de antes. 
 
Parei e perguntei a um guarda as razões. Ele foi muito gentil. Explicou-me que o local estava sem sinalização.
 
– Mas tinha! – eu falei alarmada. – Cadê as placas? Foram retiradas, arrancadas, subtraídas?
 
O guarda sorriu, saudou-me e se foi. Fiquei ali parada como uma idiota, olhando. Não faltava nem mesmo um lavador de carros que, com seu indefectível trapo de flanela, gerenciava a fila.


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