18 de abril: Dia Nacional do Livro Infantil

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Hoje, 18 de abril, se comemora o Dia Nacional do Livro Infantil. A data foi escolhida em homenagem ao aniversário de Monteiro Lobato, considerado o “pai” da Literatura Infantil brasileira. De fato, Lobato revolucionou o gênero ao publicar Narizinho Arrebitado, em 1921 – mas também é incontestável que o escritor apresentou, ao longo de suas obras, posicionamentos bastante preconceituosos. Num cenário de muitas discussões sobre opressão e minorias reprimidas, esses posicionamentos devem ser cada vez mais problematizados.
Nas décadas de 1920 e 1930, a chamada “literatura para crianças” consistia unicamente em transmitir a elas uma moral pedagógica, incutir nos pequenos um sentimento nacionalista e de amor à pátria (parte do movimento modernista) e “moldá-las” para que se tornassem adultos produtivos. Eis que surge a figura de Monteiro Lobato, que propõe a libertação desse modelo e rompe radicalmente com o padrão moralizante, a partir das histórias do Sítio do Pica-pau Amarelo. Narizinho, Pedrinho e Emília tornaram-se representações de um novo sentimento de infância.
Não seria incorreto afirmar, então, que Lobato “desreprimiu” a infância – e este é o seu ponto mais positivo. Em suas histórias, crianças eram retratadas como essencialmente rebeldes, aventureiras e curiosas. O Sítio, metáfora do Brasil, tornou-se um portal para o maravilhoso onde o ambiente era preenchido por brincadeiras, travessuras, aventuras e desobediência. Por fim, seus livros incentivavam a curiosidade e a infância desreprimida, se tornaram cânone da literatura infantil brasileira e foram a pedra fundadora do histórico de leitura de muitos brasileiros.
No entanto, é impossível falar de Monteiro Lobato de forma crítica e consciente sem problematizá-lo.
Já é do conhecimento de grande parte dos brasileiros a questão racista nos textos infantis de Lobato; no entanto, enquanto continuarmos vivendo numa sociedade opressora, este fato deve ser lembrado: o escritor mais adorado da literatura infantil brasileira, o autor da história que seguramente fez parte da infância de grande parte dos brasileiros, o criador do Sítio do Pica-pau Amarelo… era explicitamente racista. Defensor da hegemonia e simpatizante da Ku Klux Klan, Monteiro Lobato deixava clara nas histórias do Sítio (e em outras) a discriminação com relação a personagens negros. Essa discriminação vinha principalmente representada pela boneca Emília, que constantemente desrespeitava a Tia Nastácia, cozinheira – negra – do Sítio.

– Cale a boca! – berrou Emília. – Você só entende de cebolas e alhos e vinagres e toicinhos. Está claro que não poderia nunca ter visto fada porque elas não aparecem para gente preta. Eu, se fosse Peter Pan, enganava Wendy dizendo que uma fada morre sempre que vê uma negra beiçuda… (Peter Pan)
—  Pois cá comigo — disse Emília — só aturo essas histórias como estudos da ignorância e burrice do povo. Prazer não sinto nenhum. Não são engraçadas, não têm humorismo. Parecem-me muito grosseiras e bárbaras — coisa mesmo de negra beiçuda, como tia Nastácia. Não gosto, não gosto e não gosto… (Histórias de Tia Nastácia)

De vez em quando, também havia intervenções de Dona Benta, de forma a tentar humanizar Tia Nastácia. No entanto, a fala da avó do Sítio reproduzia uma ideia de “negra de estimação”, algo como aquela frase que ouvimos até hoje: “É praticamente da família”.

— Sim — disse dona Benta. — Nós não podemos exigir do povo o apuro artístico dos grandes escritores. O povo… que é o povo? São essas pobres tias velhas, como Nastácia, sem cultura nenhuma, que nem ler sabem e que outra coisa não fazem senão ouvir as histórias de outras criaturas igualmente ignorantes, e passá-las para outros ouvidos, mais adulterados ainda. (Histórias de Tia Nastácia)

No contexto contemporâneo, os posicionamentos racistas de Lobato jamais passariam. A representação estereotipada e preconceituosa do povo negro causa revolta a muitos brasileiros, minorias ou não. Cogitou-se, inclusive, que livros mais polêmicos do autor fossem retirados de circulação e fossem proibidos do currículo escolar – no entanto, mais perigoso do que expor a criança às violências e falácias da sociedade é esconder isso delas, proibir sem problematizar, banir sem explicar. Ora, foi o próprio Lobato quem propôs o rompimento entre a literatura infantil e uma moralização alienante.
No Dia Nacional do Livro Infantil, é importante ler Monteiro Lobato de forma crítica.



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