BELEZA PÕE MESA?

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JORNAL A GAZETA
CADERNO 2
20 de outubro de 2014


Começo falando de um livro, “Lições de literatura russa”, publicado no Brasil, finalmente. É uma coletânea de aulas que Vladimir Nabokov deu nos Estados Unidos, em sua fuga pelo mundo: primeiro dos bolcheviques da Rússia, depois dos nazistas alemães.
Nabokov investe com humor ácido contra os idiotas que se apropriavam dos escritores russos, como se a vida e os escritos deles fossem uma sala de visitas aberta a todo tipo fácil de subjetivismo. Também não poupa de suas cutucadas alguns dos romancistas mais ilustres de seu país natal. Dostoiévski, por exemplo, é descrito como um escriba de araque. No entanto é com  admiração que se refere a Tchekhov e compara seu estilo ritmado a “um lagarto numa parede encantado pelo Sol”.
Certo é que “Lições de literatura russa” representa o que há de mais contundente, sutil e refinado em termos de crítica à mediocridade e à ânsia de reconhecimento que rodeia (e sempre rodeou) o mundinho literário.
Isso lembra um artigo que li, recentemente, em um site. Trata-se da ênfase dada na última Flip à qualidade “jovem”, na apresentação de alguns escritores. “Era ‘jovem escritor’ pra cá, ‘jovem escritora’ pra lá” – comenta a articulista, espantada.
Juntando os dois assuntos, imaginem vocês aqueles escritores russos que Nabokov estuda, imaginem aqueles vetustos escritores russos, com barbas e cabelos brancos, tentando explicar aos agentes literários e editores presentes à festa borbulhante da Flip (ou de outras feiras semelhantes) que qualquer escritura parte sempre de uma experiência que começa bem antes de alguém se aventurar a escrever suas próprias histórias, e que o estilo se desenvolve com o tempo, no contato com muitas e muitas outras escrituras. Coitados! Nabokov, Dostoiévski, Gógol, Tchekhov, Tolstói ( só para ficar no terreno dos russos) não teriam chance!
Mas concordo com o blog, quando, a par do espanto, faz uma concessão, dizendo que a literatura dos jovens pode trazer uma lufada de contemporaneidade à mesmice tradicional. Porém não creio no mito romântico da genialidade, ou seja, em uma dádiva  inexplicável que recairia sobre alguns autores de idade juvenil. Penso mesmo que esse modismo é cruel para com os próprios jovens escritores, que perigam virar objetos de consumo rápido, logo esquecido, ao invés de garantirem uma inserção duradoura no universo literário.
A verdade é que beleza e juventude são os parâmetros vigentes no mundo das “celebridades” de hoje. E, como a categoria das “celebridades” se alastra como uma praga por cima de todas as demais, a aparência física das criaturas está submetida a um tipo de exigência estética  “jovem” e “bonita”.
Essa tirania assombra atores de televisão, de teatro e de cinema, bailarinos, apresentadores, cantores e demais artistas que, por estar estarem envelhecendo, se sentem descartados. E, pelo que parece, disso não escapam nem mesmo os escribas! Só falta que um escritor da moda tenha de ser “moreno, alto, bonito e sensual”, como canta aquela musiquinha.
 Mas vai aí um paradoxo. Alguns dos ameaçados de descarte pela efemeridade do universo artístico acreditam que a literatura seja o último reduto para permanecerem na crista da onda. Daí, talvez, o alto índice de “celebridades” e “ex-celebridades” que vêm se dedicando a escrever ficção.
Nada contra. E nem a favor. Muito pelo contrário. Mas sou uma escritora às antigas. E fico pensando: será que já se foi o tempo em que a literatura, para valer a pena, precisava de estar apoiada em conhecimentos, vivências e muitas leituras?






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