O ATELIÊ DE STAEL

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JORNAL A GAZETA
CADERNO 2

1 dezembro 2014


Ainda na semana passada estive em Vitória. Agora, estou longe. E descubro que, apesar da distância, essa nossa singular cidade, rodeada de águas, agarrada nas pedras do maciço central e espalhada por cima de aterros,  em pedaços roubados ao mar, ficou represada em minha memória como um bloco de cores, cheiros e formas. Talvez por isso, de vez em quando, uma que outra recordação pula desvairada,  para compensar o que  ainda se mantém à sombra.
Como esta lembrança que insiste em retornar com força. Uma lembrança da tarde capixaba em que saí a andar pelo Centro, sem rumo, arrastando a saia e as sandálias bem devagarinho, sorvendo a primavera, como só consegue fazer quem está a passeio. E, de repente, me vi na Rua Sete.
Para quem não conhece é bom que se diga que a Rua Sete brota no alto, quase ao pé do morro da Piedade, e escorre como um rio de asfalto, na direção da Praça Costa Pereira.
Pois me vi na Rua Sete. De repente. Entre transeuntes, vendedores de frutas, fregueses de bar e crianças que vinham da escola. Naquele burburinho que reverberava pelas calçadas e por toda a fita cinzenta do asfalto.
O murmúrio da multidão disparou em mim fragmentos dispersos do tempo. Rostos retornaram da poeira dos dias, amigas e  amigos que por ali andaram e se foram para nunca mais.
Mas a rua tem comigo uma cumplicidade sutil de velha companheira. Assim,  na cabeleira de luz vespertina que jorrava do céu, espremida entre os prédios, eu entendi que ela me concedia o prazer de liberar alguma coisa de nosso passado conjunto, alguma coisa enquadrada para sempre na moldura daquela disciplina atual de cimento e de vidro. Até pensei no tempo em que o duplo fio de ferro dos trilhos do bonde se encravavam nos paralelepípedos como uma cicatriz.
O bonde vinha do Santo Antônio e rangia, antes mesmo que amanhecesse e a cidade, enfim, começasse a vibrar. Isso faz muitos anos. A gente era jovem. E cada minuto era um enredo e uma história na cambraia daquilo que haveria de vir.
Hoje, a Rua Sete está diferente. Um tanto mais cansada; outro tanto mais audaciosa.  É como um coração que lateja,  à deriva, e inventa, nela mesma, uma chuva de outros corações.
Por exemplo, o coração dançarino e incendiado dessa moça que se chama Stael Magesck e que, há sete anos,  foi morar na Rua Sete.
A casa em que Stael foi morar na Rua Sete é antiga. Tem uma dignidade vetusta que se materializa em sua ossatura toda feita de escada, quartos, sala com lustre  teatral e rendado em pingentes, grades de ferro nas portas e nas janelas. De quebra, guarda um jardinzinho das delícias, uma joia engastada bem no seu interior. E a casa tem ainda um quintal onde rebrilha o verde da folhagem de uma laranjeira e onde os  gatos  -  de que a moça Stael cuida bem e que cuidam bem dela - bebem a água e o sol.
Pelas paredes gastas da casa, a moça Stael espalhou quadros, espelhos, retratos, colares, desenhos, fios e outros tantos pequenos artefatos escolhidos com jeito e feição de artista (que é o que ela é). E pelos quatro cantos da casa, espalhou vestidos, blusas,  tecidos e panos desenhados por ela, costurados com zelo e destinados a quem ama se cobrir com roupas que escapam ao formalismo comercial das lojas comuns.
Então a casa, que há sete anos se chama Ateliê para ganhar sentido,  é, na verdade, um oásis coberto de alegria e de graça,  incrustado nesta Rua Sete de hoje. Uma Casa Aberta de Moda & Arte. Sustentada em vigas, pedras, tijolos e argamassa. Mas com alma de pássaro, de purpurina e de sonhos.




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