ANA, ANINHA, NANINHA

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E é assim que neste balaio de gatos, ou melhor, neste baú de misturas e surpresas nem sempre agradáveis que é o facebook, encontro a motivação para a crônica que há muito tempo eu queria escrever. Mas que vinha adiando, porque outros assuntos foram aparecendo e, sorrateiramente, passando na frente. O gatilho para a retomada foi um “post” de Carlos Benevides Lima Júnior, seguido de dezenas de comentários de pessoas saudosas que se lembravam das balas de banana feitas por Naninha.

E quem foi Naninha? Alguns perguntarão. É possível que as gerações mais novas de meninas e meninos barrenses não saibam responder. Porém saberá quem viveu naqueles dias em que Conceição da Barra era ainda uma cidadezinha de ruas de barro, ladeadas por calçadas em que se riscavam jogos de amarelinha ou se jogavam os escravos-de-Jó.

Uma Barra embalada pelo ruído macio das ondas, ainda contidas em seu leito de conchas marinhas. Uma Barra em que nada ou pouco se conhecia, para além daquele horizonte feito de água salgada, pelo lado do leste, e da dobra que o manguezal fazia, a oeste, na curva do rio.

Acontece que essa Barra de minha infância não existe mais. A não ser na memória de quem jamais a esquece. E nem mais existe a doceira das balas de que aquele “post” falou.
Seu nome talvez fosse Ana, que deu em Aninha, que deu em Naninha. Costume ancestral de aplicar os diminutivos, bastante corrente naquelas paragens do norte, situadas à margem esquerda do Cricaré, por tanto tempo isoladas do resto do Espírito Santo.

Naninha de Duca Romão, como era também conhecida. Como tantas moças interioranas de antigamente, ela não se casou. Passou toda a existência ali, no lugar em que nasceu. Sem alarde, entre areias de praia, coqueiros e vento nordeste que, só de vez em quando, encrespava as águas e vinha do sul.

Morava sozinha, em uma casa baixa muito simples, igual a tantas outras de parede-meia, coberta por telhas de barro e que tinha uma porta e duas janelas. Cortava as bananas, juntava o cravo e o açúcar e cozinhava as balas em tachos de cobre, que ficavam por horas e horas sobre o fogão de lenha até dar o ponto, que só ela conhecia.

A gente chegava à janela, gritava e lá vinha ela das profundezas do longo corredor de chão de tábuas largas, a saia de algodão muito branca, muito limpa, dançando por cima dos tornozelos, os cabelos presos em uma fita cor de rosa, amarrados na nuca.

Vendia não apenas as balas postas sobre quadrados de papel recortado, mas também as mais deliciosas cocadas de puxa com leve sabor de gengibre, delicadamente arrumadas sobre folhas de laranjeira.

Eu não sabia e nem queria saber qual a causa que levou aquela gentil senhorinha a vender cocadas e balas. Só sabia que eram pequenas maravilhas que ela dispunha, uma a uma, e entregava aos compradores como se fossem diminutas joias escuras e brilhantes.

A vida veio e me carregou para longe das águas salobras de minha cidade natal. Nunca mais eu ouvi falar de Naninha. Até que li o “post” citado. E entendi que ela fazia doces que deleitavam não só as crianças de minha geração, mas ainda outras crianças, nascidas muito depois.

Então, pensei nas coincidências mágicas e estranhas que vêm da poesia:

“Recria tua vida, sempre, sempre. Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça. Faz de tua vida mesquinha um poema. E viverás no coração dos jovens e na memória das gerações que hão de vir”.


São versos de outra doceira, que morava em Goiás e, apesar de assinar-se Cora Coralina, chamava-se Aninha também.
 
Para quem gosta de ler minha crônica de toda quinzena. Caderno 2. Jornal A Gazeta.
 


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